quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Paisagem Urbana e Arquitetura



Alexandre Neutzling nasceu em Canguçu/RS, no ano de 1980. Mora em Pelotas, onde graduou-se em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda, na Universidade Católica de Pelotas. Atua como fotógrafo profissional, em trabalhos como: Books, Eventos, Recepções, Aniversários, Fotos Artísticas, Fotos Publicitárias e Ensaios Fotográficos.

Primeira Ronda

Andam preces e esperanças ao ermo dos campos... Aguçam os sentidos, os valorosos berros, e a turbulenta e pesada tropa cruza. Outros mandamentos vêm recorrendo reses e alargando o sentir das estradas...
Ouvem? Há um eco que ainda vaga das culatras vaqueanas! Reparem nos murmúrios ancestrais que antecedem as passagens dormentas deste tempo.
Hay sonidos de espora, estalar de arreadores, aboios compridos - esperas que o minuano, inda sustenta, no soturno da alma.
As corujas sabem do gusto amargo e saudoso que acompanha cada tropeiro, a lembrar do catre, da china, do rancho...
Neste descendente vagam claras reminiscências onde a polvadeira insiste por nublar a nítida passagem. Acordam rumos, remoçam luas; minha tropa esta dormente ao claro desta cheia mãe pampeana. Meus soluçantes solfejos plasmam sentir a toada que me agarra, neste quarto que me vale...
A cantiga envergonhada das estrelas escuta o silêncio que habita nas feras, e como ao natural, com sapiência e calma, dilui as dores das almas e acalma as ânsias reprimidas, que “nostalgiam” até os abanos de adeus das copas da tala...
Ouço claros os bocejos dos pajonais, das grotas... E eu me descubro alardeando o eco referencial das soledades campeiras - que vem desde o índio, ao atual escritor das noites.
Sombras, já se espelham ao nascer de um vigorante sol.
Ouvem? Há um eco que inda vaga, de um grito que vem de antes...




Pedro Almeida nasceu em São Leopoldo, foi registrado em Palmeira das Missões/RS e criado em Novo Hamburgo. Começou a escrever aos 13 anos, por influências de amigos e pela sua busca instintiva, que acredita ser o maior legado que traz na alma. Hoje, felizmente, conhece e acredita que reencontrou grandes amigos que o ajudam a levar isto adiante, pessoas com as quais tem forte ligação e identificação pelos seres humanos que são e pela luta dentro do canto da terra. É estudante do curso técnico em pecuária da Escola Técnica de Agricultura em Viamão/RS, onde reside atualmente. Tem 20 anos.

Canteiro de Barro


Trouxe o peso das folhas caídas
das vidas passadas
das sementes plantadas
e do jeito esquisito de dizer tchau

Foi o vento, Margarida
quem levou tua terra macia
e deixou essas pedras de sal

Recolhe tudo de uma vez
o sol vai se pôr daqui a pouco
o Girassol vai dormir, talvez...
ou talvez te fazer sombra
pra assombrar o louco
que te fez

No teu canteiro de barro sovado
enfeitado de Açucenas cantantes
chove sem avisar
quando tem luar minguante

Foi o vento, Margarida
quem marcou essa ferida
na tua raíz

Esse pranto carregado
de verso, abandono e dor
deixou teu caule atrofiado

Mas ouve o ditado
do Cravo ao lado
que sempre diz:
só o tempo,
cara flor,
apaga cicatriz 


Matheus Ávila nasceu, cresceu e plantou-se em Arroio Grande / RS, desde 1983. 
Bacharel em Design Gráfico pela UFPEL, transita - a seu modo - entre letras, sons e imagens.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Uma gota do teu veneno bastaria

Já pensei muitas vezes na antiga sensação de vida crua que senti há um tempo... Lembro de como, aos poucos, meu coração era congelado, e a vida quase escapava de mim, então, quando apenas um fio de esperança me restava, ela, gerada em algum inferno bem disfarçado para estar comigo a vida toda, trazia chama incontida à minha existência.
Quando eu voltava do meu pesadelo gelado, via aqueles olhos pequenos dentro dos meus, como se vasculhassem minha alma, sem nada dizer. E foi sempre assim, ela não me dizia muito, e quando dizia eu não acreditava, por tantos motivos, por tantos medos. Houve noites, que, em sonhos desesperados, perguntei a ela como era possível que não pudesse tocar minha alma, como podia não senti-la, se era minha vontade e a dela também. Bom mesmo era a proximidade de nossos corpos, aquilo sim era real, aquilo sim era viver. Um dia sem tocá-la inquietava-me, e não era só a mim. É minha única certeza, ela sentia o mesmo que eu.
Mas, por alguns desconhecidos de almas rasas e facilmente atingíveis, nas festas que nunca despertaram minha atenção, ela se deixava cegar e não me enxergava mais.
Decidi por outros corpos também, querendo que olhos diferentes vasculhassem minha alma. Encontrei quem me dissesse o que ela nunca falou, encontrei companhias pra uma vida inteira, talvez, mas minhas veias não saltavam na pele, como quando estávamos juntas, e logo meu coração reclamava as friagens que viriam.
Sempre voltamos uma para a outra, depois de juntas para o mundo ver, fomos uma da outra escondidas dele, andando de mãos dadas por ruas desconhecidas, ela mantinha pulsando meu coração naqueles frios incalculáveis, eu, tentava roubá-la do mundo, cada vez mais convencida de que cada um de seus demônios era vital para mim.
Como a amei, meu deus, como a amei! Egoísta, pedi aos céus que na terra só restássemos nós, e nos meus piores estados, desejei minha própria morte, para, quem sabe, matá-la em mim. Eu não sabia que ninguém no céu tinha nada a ver com o que sentíamos.
Em minha contradição, quis arrancá-la da minha vida, porém, entendi que não sobreviveria sem um pedaço de mim... Consegui controlar o turbilhão latente que ela representa. Ou tenho tentado, ao longo dos anos.
Quando pressinto o pensamento nela, logo fecho os olhos e tento acreditar em alguma magia capaz de me fazer sentir os extremos outra vez, sem vivê-los. Anseio o gelo e o fogo que nunca chegam.



Daniele Rodales nasceu em Arroio Grande/RS, em 1991, cidade onde mora até hoje. É graduanda em Letras e escreve pelos cotovelos. Veicula alguns escritos no blog http://despertarsecreto.blogspot.com.br/. Participa do Círculo dos poetas e escritores da Unipampa.

Buçais no mar

Quem diria que eu um dia te encontraria assim,
companheiro, amigo meu, irmão
nesse estado
manso, morno
encolhido no colo da nossa Mãe

Tu, que me pateavas rebentações
e dos mesmos tirões repuxavas minhas pernas
pro teu entorno
pra no teu corcovear eu morrer ao me salvar,
tu me ensinaste do desejo
a dor de recuar

Será que envelhecemos juntos?
Eu hoje faço força pra te escutar
Nem nos caracóis os teus brados soam mais!

Tu abandonas pertences ao próprio alcance
entregas tuas relíquias ao sol
já nem medes mais as forças com o vento

Domado pra seres xucro
eu te desconheço embuçalado
Quase que te odeio
Meio que me ofendo
Maldigo as fúrias que me puseste
Definho em ganas de te agarrar das crinas
e acordar às galopadas
os gigantes que adormecem dentro de mim

(Sobre o mar da praia do Cassino, que há alguns anos vem se amansando, perdendo a fúria das suas ondas)



Marília Floôr Kosby é antropóloga e poeta. Nasceu pela primeira vez em Arroio Grande/RS, em 1984. Mora em Pelotas/RS há cerca de dez anos. Publicou os livros de poemas "Os Baobás do Fim do Mundo - Trechos líricos de uma etnografia com religiões de matriz africana no sul do Rio Grande do Sul" (2011) e "Siete Colores e Um Pote Cheio de Acasos (2012). Organiza e edita o periódico Pandorgas no Paralelo 32º.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Nacos de tempo

A janela aberta, os olhos correm a velocidade da rua, carros passam levam a manhã que se ia, e o tio sempre atrasado, a ansiedade o deixava atucanado na espera, sempre na espera....bibi, bibi,....bibi, bibiii..o tio chegou, vem correndo pela casa adentro, o tio ta aí, vamos!. Aquelas idas “pra fora”, para campanha, rumo a Restinga eram ansiosamente esperadas, a quebra, o outro mundo ─ o campo.
A Brasília vermelha lotada ganha cancha, asfalto afora rumo à campanha, aqueles fundões lá passando Torrinhas, numa serra braba, um grotão, tinha o lajeado e lááá no ermo, nos fundões sem luz, o inalcançável mundo a parte ─ a casa, sólida, a linha dos paraísos emoldurando o conjunto... o galpão, mangueira, tanque de cimento, o Umbu deslocado grandioso esparramado pelo alambrado, também a cozinha separada, colada a casa, como um grão, o teto baixo, fogão a lenha e o maior perfume de picumã e graxa de ovelha, feijão curtido no cerno de Coronilha que ardia na chapa do fogão.
A primalhada solta a campo, madrugando com os cavalos pra encilhar já na mangueira, a lida empeçava temprano, e se ia à manhã inteira, camperiadas com miles de ovelhas para rebanhar, tocar, tratar, banhar, vacinar, até ficar impregnado com o cheiro das ovelhas até por dentro dos olhos.
Aquele conjunto de prédios maciços, caiados de tempo, cravados naquela coxilha num entroncamento assim como um nó num tronco morrudo... ponto forte, comércio gordo, de um tudo: secos e molhados, ferramentas, sementes, lã, ponchos, capas Renner e botas....bolicho e refeição, ponto de descanso e troca de monta na linha de diligências que fazia a viagem Cacimbinhas – Piratini mundo afora.
Nos tempos de correria, revoluções e peleias era uma fortaleza, um marco na querência. Eram eles estabelecidos, família grande e guapa: tios, irmãos, pais de um mesmo cerno ─ os Lobato, fincados naquele chão.
Tudo trabalhando a moda bicho, criando, comercializando tudo que é tipo de mercadoria, naqueles tempos estava nascendo, fervilhando estâncias em tudo que é terra boa, criações de miles e miles de ovelhas de raça melhor, de “pedigree”; invernando gadaria fina para inúmeras tropeadas, feiras e negócios. Tropeadas inesquecíveis de carga e de tropa, no mais de animalada mansa e chucra, aporreada; cavalhadas de miles de madrinhas, cavalhada de lei...e assim nesse universo o vô passava a juventude até chegar a hora de trabalhar e construir chão para si, uma estância...família.
Tem feita que fossem tempos difíceis de luta, estourava uma tropilha de violência arrastando tudo, varrendo a campanha com fúria, revolvendo vidas. Os comentários eram muitos, os boatos seguros, a qualquer momento o fundunço iria começar... já haviam rumores de piquetes, de bandos organizados que se preparavam para outra patriada, escolha das armas para impor as idéias.
Toda casa de alerta, o bolicho de portas trancadas já haviam dois dias...o correio, os chasques, até a diligência de Piratini estava suspensa como tudo e todos.
Corre, leva os que tu poder para o mato e deixa eles escondidos, te some... esse daqui ta muito cansado vai dar o mal das urina, vamo ter que escondê ele....coloca as crianças e as mulher no quarto dos fundos, no porão e tranca eles lá....o resto cuida da casa, ninguém reage, só fiquem de olho, num naco de tempo batem nas casas um bando, lote de desgarrados, uma mistura braba de tudo que é tipo de imundícia, bêbados, ladrões de toda laia, malevos todos desertados ─ a la cria!, por su conta.
Bateram nos portões, ameaçaram de pronto até que invadiram, entraram a la louca porta adentro, enchendo as mão de tudo, primeiro tudo que era de comida e bebida depois roupas e ponchos, disputaram a socos as capas Renner, e berravam pelas armas, aonde estavam as armas?...o biso com toda calma respondia aos insultos ...até que o tipo que deveria ser o chefe, um paisano, nem alto nem baixo, parrudo, desfigurado, arrancando trapos e vestindo pilchas domingueiras, cola os olhos no vô e diz:...esse gurizote ta suando muito, qual parelheiro em final de carreira...pela marca de suor nos cano da bota a jornada foi longa...aonde esta teu flete, guri de merda?, e num encontrão com o facão já em mãos, intimando respostas, arrasta o guri pela casa aos berros. Aos trancos é jogado de cara numa porta grande, ouve:...abre, abre!!! o velho vem correndo com a chave, na tensão da cena, por pouco não leva um talho de adaga no rosto, num ato de fúria de seu agressor aos berros e gestos impensados.
Entram no recinto escuro impregnado a suor, o ranço da catinga de suor e urina, misturado a miles de esbaforidas... numa massa robusta negra, um zaino, muy fino, de patas longas e finas, banhado de suor espumoso, o homem da meia volta e sai da sala, fecha o portão e grita com os homens: vamos embora, aqui não tem mais nada...carreguem tudo, vamos!...já com os homens montados, a garupa cheia de ponchos, capas, fardos de erva e canha, charque...a guampa de canha corria solta...o homem se vira para o vô e diz: cuida bem do flete, mostra bem na estampa os cuidados dedicados a tão alto preço e fiquem com Dios e lo sinto pelo ocorrido, são tempos de pouca graça e muita desgraça paisano.
Falta muito tio, falta muito pra chegar... te aquieta guri, calma, a tarde corria solta pelo lombo dos alambrados, poeira e estrada pareciam não ter fim...ao longe uma massa escura vai tomando forma, definindo-se em pêlos e corpos, cascos e pisadas, poeira e latidos, um, dois, quatro ginetes desempenhavam seu papel para conter o nervosismo da gadaria assustada, eram eles, o tio buzina, uma alegria em todos os semblantes, eram eles, na culatra seu Julio, o capataz, e seu Locha; no costado, dando rumo a animalada, seu Lucha, os irmãos Lucha e Locha que nunca haviam saído dali, daqueles fundões, mas que traziam o mundo na sua fala pausada e mansa e sua face cor de terra recém arada...e na ponta num tordilho muy fino, garboso, que mais parecia que flutuava do que troteava, firme nos arreios, vinha ele, forte e seguro como um cerro, o vô, o coronel Lobato, sério mas com um olhar que se perdia no tempo, como esses campos sem fim, somente acenou com a cabeça.
A Brasília ainda andou um eito e finalmente parou...vamos desce guri, vamo!, abre a porteira... vamos!, estabanado, atrapalhado solta a tranca, agarra o pique e abre a porteira, pronto, era outro tempo, a realidade perdera-se, misturava-se a histórias, causos e lendas, o tempo havia ficado suspenso....vamos deixa a porteira aberta prá eles, entra...agora o tempo era todo meu.




José Milton Schlee Júnior, nasceu em Pelotas 08 julho 1966, a primeira dentição foi muito rápida Assis Brasil Gato Pelado, devorador de livros e livros de Arqueologia, História e Antropologia na segunda dentição impossibilitado de cursar Arqueologia caiu nas graças da Geologia/UNISINOS cursou 6 semestres até ser levado a falência, exílio voluntário nos horizontes bárbaros da planície costeira na Ponta Alegre-Arroio Grande; já na quase dentadura fez-se Biólogo/UFCal daí pesquisador independente em Ecologia Florestal&Bioarqueologia, reside a 8 anos na campanha, Pontas do Chasqueiro- AG pesquisando e desenvolvendo trabalhos em agroecologia no universo atemporal da campanha.