Já pensei muitas vezes na antiga sensação de vida crua que senti há um tempo... Lembro de como, aos poucos, meu coração era congelado, e a vida quase escapava de mim, então, quando apenas um fio de esperança me restava, ela, gerada em algum inferno bem disfarçado para estar comigo a vida toda, trazia chama incontida à minha existência.
Quando eu voltava do meu pesadelo gelado, via aqueles olhos pequenos dentro dos meus, como se vasculhassem minha alma, sem nada dizer. E foi sempre assim, ela não me dizia muito, e quando dizia eu não acreditava, por tantos motivos, por tantos medos. Houve noites, que, em sonhos desesperados, perguntei a ela como era possível que não pudesse tocar minha alma, como podia não senti-la, se era minha vontade e a dela também. Bom mesmo era a proximidade de nossos corpos, aquilo sim era real, aquilo sim era viver. Um dia sem tocá-la inquietava-me, e não era só a mim. É minha única certeza, ela sentia o mesmo que eu.
Mas, por alguns desconhecidos de almas rasas e facilmente atingíveis, nas festas que nunca despertaram minha atenção, ela se deixava cegar e não me enxergava mais.
Decidi por outros corpos também, querendo que olhos diferentes vasculhassem minha alma. Encontrei quem me dissesse o que ela nunca falou, encontrei companhias pra uma vida inteira, talvez, mas minhas veias não saltavam na pele, como quando estávamos juntas, e logo meu coração reclamava as friagens que viriam.
Sempre voltamos uma para a outra, depois de juntas para o mundo ver, fomos uma da outra escondidas dele, andando de mãos dadas por ruas desconhecidas, ela mantinha pulsando meu coração naqueles frios incalculáveis, eu, tentava roubá-la do mundo, cada vez mais convencida de que cada um de seus demônios era vital para mim.
Como a amei, meu deus, como a amei! Egoísta, pedi aos céus que na terra só restássemos nós, e nos meus piores estados, desejei minha própria morte, para, quem sabe, matá-la em mim. Eu não sabia que ninguém no céu tinha nada a ver com o que sentíamos.
Em minha contradição, quis arrancá-la da minha vida, porém, entendi que não sobreviveria sem um pedaço de mim... Consegui controlar o turbilhão latente que ela representa. Ou tenho tentado, ao longo dos anos.
Quando pressinto o pensamento nela, logo fecho os olhos e tento acreditar em alguma magia capaz de me fazer sentir os extremos outra vez, sem vivê-los. Anseio o gelo e o fogo que nunca chegam.
Daniele Rodales nasceu em Arroio Grande/RS, em 1991, cidade onde mora até hoje. É graduanda em Letras e escreve pelos cotovelos. Veicula alguns escritos no blog http://despertarsecreto.blogspot.com.br/. Participa do Círculo dos poetas e escritores da Unipampa.
Da leitura deste texto da Dani brotou um poema chamado "Pós":
ResponderExcluirAntes de partires
antes quando da chegada
Antes de saber que tu virias
antes, quase, de já não voltares
Tardou de existir há tempos
o que só agora se anuncia feito.
Matéria do intervalo
entre o que esteve à vista
e o que se perdeu.
Teu coração calou-me a boca
tarde demais
Não era mais de amor que se falava
Que o amor mal dá tempo
Que o amor
quando a gente vê
já era.
Um abraço, Dani!